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      Por que festas de fim de ano intensificam a tristeza em algumas pessoas?

      Por que festas de fim de ano intensificam a tristeza em algumas pessoas?

      Para muitas pessoas, o calendário emocional não acompanha o calendário social. Dezembro chega com luzes, convites e expectativas, mas nem sempre encontra disposição interna para corresponder ao clima.

      Em vez de alegria, o mês aciona lembranças, aumenta a comparação com anos anteriores, evidencia quem não está mais e faz com que pequenas tarefas — montar a árvore, escolher a ceia, responder a mensagens — pareçam maiores do que realmente são.

      A cena é conhecida por profissionais que trabalham com luto, comportamento e saúde mental. Ganhou até nome popular: ‘dezembrite’. A realidade é que o fim do ano não cria o sofrimento, mas oferece menos esconderijos para ele.

      A engrenagem emocional de dezembro

      O fim do ano se torna especialmente sensível porque reúne fatores simbólicos e psicológicos que, juntos, ampliam a intensidade das emoções. As festas seguem roteiros muito marcados — a comida preparada sempre pela mesma pessoa, o lugar fixo à mesa, as músicas e fotos que se repetem ano após ano.

      Quando há luto ou mudanças importantes na família, é justamente essa previsibilidade que escancara o que não está mais ali. Tom Almeida, fundador do movimento inFinito e coautor do livro Guia para Encarar as Festas de Fim de Ano, descreve dezembro como uma “lente de aumento”: em meio à cidade iluminada e ao ambiente que pede celebração, o contraste com o mundo interno tende a ficar mais evidente.

      Outro componente decisivo é a pressão social para estar bem. Dezembro carrega a expectativa de união, alegria e gratidão — e quem não consegue acompanhar esse tom costuma se sentir deslocado.

      A jornalista Juliana Dantas, especializada em luto e coautora do livro com Tom, observa que muitos dos relatos que recebe não falam apenas de ausência, mas da sensação de não ter permissão para demonstrar tristeza: “As pessoas evitam falar para não ‘estragar a festa’”, diz.

      Do ponto de vista psicológico, o mês também atua como um marcador emocional, explica a psicóloga Edwiges Parra, conselheira em Gestão de Pessoas, psicóloga e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV). A desaceleração típica do recesso reduz distrações e amplia o espaço para balanços pessoais, fazendo com que frustrações, pendências e lutos antigos reapareçam com mais nitidez.

      Como tornar dezembro menos pesado

      As sugestões citadas pelos especialistas têm um ponto em comum: ajustar expectativas e recuperar algum senso de autonomia.

      • Criar rituais próprios: acender uma vela, fazer uma receita simbólica, inserir um objeto na mesa, escrever uma carta.
      • Simplificar compromissos: não é obrigatório participar de todos os encontros. Reduzir a agenda preserva energia.
      • Flexibilizar decisões: a pessoa pode mudar de ideia sem culpa.
      • Equilibrar recolhimento e convivência: nem isolamento total, nem exposição excessiva — o meio-termo costuma funcionar melhor.


      Para Tom e Juliana, a regra mais importante é a da autopreservação. Dezembro não precisa ser encarado como um teste de resistência. Participar só um pouco, marcar presença simbólica ou ir embora mais cedo são estratégias válidas.

      “Ninguém precisa atravessar o fim do ano no modo sobrevivência”, afirma Tom.

      Reconhecer esses sinais é importante não para “patologizar” o fim do ano, mas para evitar que a pessoa atravesse o período sozinha — justamente a situação que mais amplia a vulnerabilidade. “O objetivo é passar pelo período com o menor desgaste possível”, reforça Juliana.

      Imagem: Divulgação
      Texto: g1